2024 está aí. Que tal rever o planejamento de nossa vida pessoal?
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
O planejamento estratégico é uma das maiores armas que as empresas dispõem para garantir o crescimento e a viabilidade de seus negócios no longo prazo. É fato que existem muitas pessoas habilidosas que conduzem as decisões da empresa de forma instintiva, sem planejamento formal, e o negócio vai muito bem, obrigado. Isso hoje. E amanhã? Um cientista não começa um experimento sem que o método esteja muito bem descrito, incluindo como os resultados serão analisados ao final do trabalho. É difícil imaginar que Amyr Klink teria conseguido atravessar remando sete mil quilômetros do Atlântico sem sua preciosa capacidade de planejamento.
Muitas pessoas passam os anos gastando semanas de reuniões para a formulação do planejamento de seu negócio ou dos outros, e não chegam a investir sequer minutos rabiscando ideias de seu próprio planejamento pessoal. Muitos certamente têm bastante simpatia com a música do talentoso Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar, vida leva eu…”. Outros não concordam com isso e parece que esse devia ser o caso do filósofo Sêneca, que nos deixou o pensamento: “Para aqueles que não sabem para que porto vão, nenhum vento é bom”.
Podemos nos valer de algumas ideias do método de planejamento estratégico do mundo corporativo para nossa vida pessoal. São várias as dimensões essenciais de nossa vida que devem fazer parte dessa reflexão: saúde, família, amigos, carreira profissional, realização intelectual, lazer, sexualidade, espiritualidade, etc.
Planejamento pessoal
Vamos começar por nossa análise interna. Aqui, devemos focar em nossas próprias forças e fraquezas. Esse não é um processo exato, mas é bem provável que o rumo de sucesso pessoal mais certeiro seja o de solidificar/aumentar nossas forças e corrigir nossas fraquezas. Ao elencarmos nossas forças e fraquezas, podemos priorizá-las e definir quais são aquelas em que devemos mais investir. Entre forças e fraquezas, vale sempre trabalhar em equilíbrio, pois as pessoas têm uma tendência em enxergar mais as fraquezas do que as forças. Acham que as fraquezas podem ser “trabalhadas” e deixam as forças de escanteio.
Uma boa dica é começar investindo naquelas que sejam sustentáveis no longo prazo. Talvez não valha a pena gastar tanta energia para nos aprimorar em uma determinada carreira se ela está em extinção, mesmo que exista um forte talento pessoal. Da mesma forma, não vale a pena apostar em corrigir uma fraqueza em que o resultado da correção não vai nos trazer muita vantagem. Se ao digitar no computador você “cata milho” de forma rápida e eficiente, investir em um curso de digitação para atingir uma performance olímpica pode não ser sua maior prioridade.
Um segundo passo na priorização de ações é a identificação de forças e fraquezas que são essenciais para nossa vida. Cada um tem sua própria análise, mas há algumas premissas que não deveriam ser muito diferentes entre as pessoas, como é o caso do investimento em nossa saúde. Sem saúde, todo o resto ficará congelado. Vale repensar se faz sentido estar atrasado em um ano com os exames periódicos preventivos, mas ter tempo para criar um novo projeto profissional. Investimento na saúde mental, então, fico até sem graça de estar sempre batendo nesta tecla.
Um terceiro passo, e esse considero que seja mais relevante no âmbito da carreira profissional, é o de identificar o quanto suas forças e fraquezas são raras, difíceis de imitar, difíceis de consertar. Ao identificar uma força valorosa do ponto de vista profissional, dê mais prioridade ainda às que são raras no seu meio. Essas forças diferenciam-lhe dos outros e fazem-lhe “sair da pilha”, como dizia Jack Welch, grande personalidade do mundo corporativo. Quanto às fraquezas, uma boa sugestão é a de priorizar nossos reparos com foco em dois momentos.
Primeiro resolver a curtíssimo prazo aquilo que é fácil de consertar. Um médico talentoso que tem seu consultório vazio, talvez por ter o cabelo pintado de roxo, poderia pelo menos tentar pintar o cabelo de outra cor, e para ontem. Pensando mais no médio e longo prazo, devemos depositar um grande contingente de energia no reparo de fraquezas que são difíceis de corrigir e que nos trazem desvantagem. Difícil de corrigir significa que a deficiência não pode ser corrigida da noite para o dia, mas não quer dizer que seja a coisa mais difícil ou penosa do mundo. Pode ser a falta de proficiência em determinada língua, falta de ferramentas de gestão, um problema de saúde crônico, etc. A análise interna pode ser vista como aquilo que poderíamos fazer para melhorar.
Por fim, a decisão do que devemos fazer com nossas forças e fraquezas deve ser permeada também por aquilo que gostaríamos de fazer para melhorar, e para isso é necessário identificarmos com muita clareza qual é nossa missão e quais são os nossos valores. As empresas costumam pendurar em suas paredes frases de efeito descrevendo esses conceitos eloquentes, mas poucas realmente se comprometem a seguir fielmente o que está ali escrito. Assim como as empresas, somos pressionados por todos os lados para não darmos conta de fazer aquilo que acreditamos e que faz parte do nosso discurso.
Planejar minimamente nossas escolhas e ações pode nos ajudar a integrar nossos ideais com o que realmente fazemos no nosso dia a dia. Isso é viver com integridade em busca de uma vida não fragmentada. É bom ter em mente que não são poucas as coisas que fogem do nosso controle, e nesse quesito Zeca Pagodinho tem razão em deixar rolar quando a coisa não sai do jeito planejado. Colocando o Zeca e o Sêneca compondo juntos, o pagode poderia sair assim: “Se conheço bem para onde vou, vida leva eu, com vento bom, e para o melhor lugar.”
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.
Matéria e imagem publicadas originalmente no site do Correio Braziliense.
Crédito foto: Kelsey Chance/ Unsplash.