A fumaça das queimadas pode afetar também o cérebro
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
Os efeitos danosos da poluição atmosférica sobre nossa saúde são fortemente explorados através dos impactos negativos sobre os sistemas respiratório e cardiovascular, mas as repercussões no sistema nervoso não são nada desprezÃveis e são, na verdade, um problema de saúde pública de alta relevância.
Um dos maiores vilões da poluição são as partÃculas minúsculas com menos de 2,5 micrômetros de diâmetro (PM 2.5). Elas podem atingir o cérebro, pois conseguem atravessar a barreira hematoencefálica que funciona como um filtro para partÃculas maiores. Podem também, através do epitélio olfativo, alcançar o nervo olfativo e o cérebro, assim como fazem alguns vÃrus. As pequenas partÃculas, ao entrarem em contato com o cérebro, podem promover inflamação, que por sua vez deflagra alterações no cérebro nos curto e longo prazos.
A Organização Mundial da Saúde e entidades de controle do clima definem um valor máximo dessas micropartÃculas no ar para que não haja prejuÃzos à saúde da população. O fato é que as queimadas são capazes de multiplicar a concentração dessas partÃculas. As queimadas são responsáveis por cerca de 50% dos gases de efeito estufa, mais do que as emissões de todos os motores a combustão e fábricas juntas. As concentrações de PM 2.5 podem ser responsáveis por 50% da poluição atmosférica.
Estudos já demonstraram que a exposição a altas concentrações de PM 2.5 está associada, em curtÃssimo prazo, a dificuldades cognitivas e a uma série de condições psiquiátricas com maior busca pelos sistemas de saúde por quadros de depressão, surtos psicóticos e tentativa de suicÃdio. Condições psiquiátricas estão associadas a essa poluição também quando se pensa no longo prazo. O mesmo se vê com doenças neurogenerativas, como Parkinson e Alzheimer, assim como o acidente vascular cerebral.
O maior risco de obesidade nas pessoas expostas à poluição foi parcialmente explicado pela menor eficiência do hormônio da saciedade leptina. Animais expostos a altas concentrações de PM 2.5 apresentaram inflamação no hipotálamo, estrutura do cérebro que dialoga com a leptina. Após cinco dias de exposição, os animais dispararam a comer. O desenvolvimento do diabetes tipo 2 também tem forte associação com o PM 2.5.
Uma pesquisa recém-publicada pelo periódico Environmental Health Perspectives apontou que o cérebro dos pequenos também sofre com altas concentrações de PM 2.5. Mais de dez mil pré-adolescentes do maior estudo americano sobre o desenvolvimento do cérebro do adolescente (ABCD) apresentaram mais sintomas psiquiátricos nos perÃodos de maiores concentrações de PM 2.5, podendo persistir por até um ano. Aqui estamos falando de sintomas de depressão, ansiedade e comportamento desafiador.
Tem sido demonstrado também efeitos negativos sobre o cérebro e o desenvolvimento de crianças em que a mãe foi exposta a essas substâncias em altas concentrações. Os efeitos negativos incluem alterações estruturais do cérebro, rebaixamento cognitivo e até mesmo limitação motora.
Para finalizar, vamos falar do impacto na expectativa de vida. Pesquisas em paÃses como Canadá, Holanda e Finlândia demonstram que um aumento de 10µg por m3 na concentração de partÃculas menores que 2.5µm está associado a uma redução na expectativa de vida de 0.8 a 1.3 ano. Um importante e pioneiro estudo foi publicado no jornal New England Journal of Medicine confirmando essa relação entre poluição e longevidade, só que de forma inversa: a redução da poluição é capaz de aumentar a longevidade da população. A redução dos mesmos 10µg por m3 na concentração de PM 2.5 promoveu um aumento de 0.77 ano na expectativa de vida da população.
O recado não está difÃcil de entender. A expressão apagão aéreo é utilizada para situações de caos na malha aérea, aeronaves. Hoje vivemos um apagão aéreo muito mais caótico: o da poluição atmosférica. Paradoxalmente é um apagão alimentado pelas chamas.
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de BrasÃlia.
Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
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