Chocolate: Bom mesmo para saúde ou puro prazer ?

Chocolate é quase um sinônimo de prazer, mas também é um alimento inteligente quando se pensa na saúde nos vasos sanguíneos.


Por Dr. Ricardo Teixeira*

Os Maias, Olmecas e Astecas muito antes da colonização espanhola já tomavam em seus rituais e banquetes um tipo de suco de cacau, chamado por alguns deles de “tchocolath”. O cacau para esses povos tinha origem divina, sendo que os Maias chegavam a comemorar em abril o dia de seu Deus do cacau: Ek Chuah. O fruto era tão nobre para esses povos que suas sementes eram usadas como moeda e não por acaso seu batismo científico, Theobroma cacao, em grego, significa alimento dos deuses. Estudos mais recentes têm apontado que habitantes da região onde hoje se encontra o Equador já preparavam chocolate 1500 anos antes daqueles da América Central. Isso significa chocolate há 5300 anos!  

A paixão pelo chocolate atravessa os séculos e hoje tudo o que seus apreciadores e fabricantes sonham é que a ciência bata um carimbo definitivo de que um delicioso pedaço de chocolate por dia é uma das melhores atitudes para reduzir nossos níveis de aterosclerose, a doença que mais mata no planeta e responsável pela maior parte dos casos de infarto do coração e derrame cerebral. E os ventos parecem estar soprando nesse sentido! Nos últimos anos, uma grande quantidade de trabalhos científicos tem demonstrado efeitos positivos do chocolate sobre nosso sistema cardiovascular e este parece estar chegando a um status de alimento inteligente.

Os efeitos mais nobres do chocolate estão relacionados à sua grande oferta de flavonóides, substâncias fartamente encontradas em alguns vegetais e que promovem o bom funcionamento dos nossos vasos sanguíneos. Essas substâncias são as mesmas que fazem a boa fama dos chás verde e preto e da casca das frutas vermelhas, só que o cacau apresenta uma concentração especialmente generosa do subtipo flavanol (epicatequina, catequina, e procianidinas), que ultimamente tem sido apontado como o componente que mais tem efeito na nossa saúde vascular.

Podemos dizer que o impulso inicial para a série de estudos desenvolvidos com o cacau nos últimos anos foi a observação na década de 1940, e depois na década de 1990, de que os índios Kuna, habitantes de uma ilha no Caribe Panamenho, raramente tinham pressão alta, mesmo os idosos. O interessante é que os Kuna têm ingesta diária de sal e padrão de atividade física semelhantes à maioria das populações ocidentais. Chamou muita a atenção dos pesquisadores o hábito dos Kuna de beberem cerca de 5 copos diários de suco de cacau e o fato de que quando eles emigraram para a cidade do Panamá, passaram a apresentar frequência alta de hipertensão arterial e doenças do coração.

A partir da década de 90 diversos ensaios clínicos foram realizados para investigar o papel do cacau / chocolate sobre a saúde dos nossos vasos.  Sabemos hoje que o consumo de chocolate com altas doses de flavanols promove uma série de efeitos benéficos ao nosso corpo:

1) aumento dos níveis de óxido nítrico, considerado um dos principais combustíveis para a saúde dos nossos vasos sanguíneos;

2) redução da agregação das plaquetas, ação que é igual à da aspirina;

3) aumento dos níveis do HDL – nosso colesterol bom – entre outras ações antioxidantes;

4) redução de marcadores de inflamação – lembrando que aterosclerose é igual a inflamação;

5) redução da resistência à insulina, facilitando sua ação nas células;

6) aumento do fluxo sanguíneo periférico (nos membros) e nas artérias do coração;

7) redução da pressão arterial;

8) aumento do fluxo sanguíneo cerebral e/ou atividade neuronal durante uma tarefa cognitiva.

E os efeitos chegam até à pele, com aumento de sua microcirculação sanguínea e maior nível de fotoproteção.

Alguns desses efeitos foram alcançados após uma única dose de chocolate / cacau, enquanto outros após algumas semanas de consumo diário. As doses de chocolate variaram bastante (6 a 100 g) assim como a dose de flavanols (100 a 900 mg). Mesmo com baixas doses, efeitos positivos foram observados, o que é de extrema relevância, pois é muito difícil conseguir adaptar 100 g de chocolate por dia em nosso cardápio do ponto de vista calórico. Além disso, os efeitos do chocolate foram demonstrados tanto em indivíduos jovens e saudáveis como entre aqueles com conhecida disfunção vascular (ex: tabagistas, hipertensos, idosos, transplantados do coração).

Agora vale observar um detalhe muito importante: os populares chocolates ao leite, assim como o chocolate branco, possuem concentrações de cacau e flavanols muito baixos, e nos estudos realizados até então, não provocaram os efeitos demonstrados pelo “dark chocolate”. Teoricamente, quanto mais escuro e amargo o chocolate, maior a concentração de cacau e maiores os teores de flavanols. Entretanto, precisamos ser cautelosos, já que pelo fato dessas substâncias terem sabor amargo, os fabricantes podem reduzir suas concentrações para melhorar o sabor do chocolate. Além disso, um chocolate escuro não é necessariamente rico em flavanols. O próprio processo industrial de alcalinização do chocolate usado para melhorar sua consistência, aparência e para reduzir o sabor amargo, além de escurecer o chocolate, também joga pelo ralo os flavanols. E como os fabricantes não especificam nos rótulos a concentração dessas preciosas substâncias, é difícil saber ao certo o que um chocolate amargo realmente pode nos oferecer.

Os fabricantes de chocolate no Brasil estão apenas acordando para a grande oportunidade que é a comercialização de chocolates com alto teor de cacau. Talvez nos próximos anos comecem a registrar em seus rótulos a concentração de flavanols, ao invés de simplesmente dizer se o chocolate tem 70, 80 ou 90% de cacau.

É muito bom conhecer os benefícios à saúde que o chocolate pode nos proporcionar, mas certamente o que nos faz consumi-lo com tanto prazer vai além de uma escolha consciente. O chocolate é um alimento que concentra propriedades que fazem nosso cérebro apaixonar-se facilmente por ele.  É um alimento com alto teor de carboidrato e gordura, com grande poder de estimular nossos centros cerebrais relacionados ao prazer e à recompensa. Contém ainda farta concentração de substâncias chamadas de aminas biogênicas (ex: teobromina, feniletilamina, cafeína e tiramina), que também têm alto poder de estimular nossos centros de recompensa assim como a liberação de neurotransmissores, como dopamina, serotonina e endorfina. O chocolate possui outras substâncias que podem estar associadas ao prazer: triptofano que é precursor do neurotransmissor serotonina e a anandamida que se liga aos mesmos receptores em que a maconha exerce seus efeitos no cérebro. O chocolate ainda faz com que nossa anandamida endógena tenha efeito mais duradouro. Essas provocações neuroquímicas podem explicar os efeitos afrodisíacos relatados por alguns, tendo Giacomo Casanova, o famoso conquistador de mulheres, seu maior garoto propaganda.

Ainda são necessários estudos que avaliem os benefícios do chocolate no longo prazo. Hoje em dia, o consumo de pelo menos cinco porções de frutas e vegetais é uma recomendação médica universal e inequívoca. Pode ser que cheguemos ao ponto de haver também uma recomendação mínima diária de flavanols, sendo o chocolate um grande candidato para compor o cardápio.  Nesse caso, não será muito sacrifício de nossa parte unir o útil ao agradável.


 

Confira o áudio da coluna Cuca Legal, uma parceria do ICB com a Rádio CBN Brasília:

 

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