Divagar os pensamentos durante uma tarefa simples pode até facilitar
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
Você está lavando a louça, no piloto automático, e a mente começa a vaguear, o pensamento foi para sua próxima viagem de férias. Para tarefas pouco complexas, manter o pensamento em outro lugar pode fazer o trabalho ficar mais ágil porque nesse estado o cérebro consegue processar detalhes que ficam escondidos nas entrelinhas. É um estado semiacordado com aumento do contingente de ondas lentas caracterÃsticas do sono profundo e que são crucias para a consolidação da memória.
Alguns estudos já mostraram que, em tarefas simples, esse estado de sonhar acordado pode muitas vezes ser um aliado do nosso desempenho cognitivo, incrementando, por exemplo, nossa criatividade. Um fator que já foi demonstrado estar associado à tendência de vaguear é a capacidade de estar aberto a novas experiências e a conteúdos fantásticos. E isso pode ser um grande parceiro da criatividade.
Isso tudo nos faz pensar que um cérebro com boa atenção e processamento rápido é importante, mas as fugidinhas do pensamento podem também ser muito interessantes, especialmente para a criação e consolidação da memória. E o que seria do nosso equilÃbrio mental sem boas doses de fantasia? Isso me fez lembrar de outro documentário, este de Kleber Mendonça, Retratos Fantasmas.
Após mostrar a substituição dos cinemas de rua do Recife por farmácias e igrejas, o motorista de aplicativo nas cenas finais fala a Kleber, seu passageiro, que ele tem um superpoder de se tornar invisÃvel e o documentário termina com o carro andando sem ninguém ao volante. Tiraram do cidadão o convÃvio diário com os cartazes dos filmes fantásticos no centro da cidade e seu aparelho psÃquico logo se incumbiu de repor a dose de fantasia. Não tem mais King Kong, Tubarão, mas tem homem invisÃvel.
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de BrasÃlia.
Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
Crédito foto: PEXELS