Nova causa de demência que se parece com o Alzheimer tem critérios clínicos

Doença que só poderia ser diagnosticada pela necropsia passa a ter, a partir deste mês, critérios diagnósticos clínicos, de neuroimagem e outros biomarcadores que permitem que seja feito em vida

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*

Por muito tempo, o termo esclerosado era usado para se referir ao estado de uma pessoa portadora de demência. Hoje consideramos que boa parte das pessoas “esclerosadas” eram, na sua maioria, portadoras da doença de Alzheimer (DA), mas existem outras causas de demência, como a frontotemporal, que acometeu o ator Bruce Wyllis, e a causada por doença cerebrovascular.

Nos estudos que foram feitos para testagem de novas medicações para a DA, sempre havia um contingente significativo de voluntários que não apresentava qualquer melhora após o início das drogas. Além disso, as pesquisas mostravam que muitos desses voluntários não apresentavam os marcadores patológicos da doença quando eram submetidos a necropsias.

Estudos recentes têm demonstrado que muitas dessas pessoas podem, na verdade, ser portadoras de uma outra forma de demência que recebeu o nome de LATE. LATE é a sigla recém-proposta por múltiplos centros de pesquisa para Limbic-predominant age-related TDP-43 encephalopathy. Limbic é o envolvimento preferencial da doença nos circuitos límbicos, semelhante à DA; Age related nos diz que é uma doença que ocorre em idosos, de forma mais gradual e numa idade até mais avançada que na DA; TDP-43 diz respeito ao acúmulo de proteínas com esse mesmo nome; Encephalopathy significa disfunção cerebral difusa.

Peter Nelson, primeiro autor da publicação, compara o trabalho desse consórcio de pesquisadores com a descoberta da eletricidade por Benjamin Franklin. O grupo publicou no periódico Brain, em 2019, critérios patológicos para identificação de LATE à necropsia. Os estudos realizados até o momento mostram uma prevalência da patologia de LATE em necropsias que gira em torno de 20% dos indivíduos acima de 80 anos e, em muitos casos, a DA ocorre concomitantemente.

O que era uma entidade que só poderia ser diagnosticada pela necropsia passa a ter, a partir deste mês, critérios diagnósticos clínicos, de neuroimagem e outros biomarcadores que permitem que seja feito em vida. Esse é o resultado do trabalho de pesquisadores da renomada Mayo Clinic, nos EUA, que cunharam a nova sigla LANS para uso na prática clínica — síndrome amnéstica neurodegenerativa de predomínio límbico e que tem o LATE como seu principal representante quando os critérios para LANS são fortes.

Os critérios clínicos são um grande avanço para o delineamento do prognóstico de pacientes idosos com quadros de amnésia, especialmente no momento em que terapias que retardam o avanço da DA já estão disponíveis e logo estarão chegando ao Brasil. Aqui estou me referindo aos anticorpos monoclonais. Os critérios ajudam a separar o que é LATE e o que é DA, e vale lembrar que os anticorpos monoclonais teoricamente só trariam benefícios aos pacientes com essa última doença.

*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.

Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
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