Será que a cólica do bebê pode ser enxaqueca?
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
No ano de 2012, um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia sugeriu que a cólica dos lactentes pode, na verdade, ser uma precursora da enxaqueca ao mostrar que o risco é mais de duas vezes maior nos bebês que têm mães que sofrem de enxaqueca. Enquanto 29% dos bebês de mães com enxaqueca apresentavam cólica, apenas 11% daqueles de mães sem enxaqueca tinham o problema.
No ano seguinte, outro estudo de muito impacto encorpou a ideia dessa associação ao mostrar que crianças e adolescentes com enxaqueca tinham muito mais chances de ter apresentado cólica quando bebês quando comparadas a controles sem enxaqueca (72.6% X 26.5%). Desde então, uma série de estudos, incluindo uma metanálise, vêm confirmando esses resultados.
Existem algumas condições clínicas que acontecem de forma recorrente na infância e que são entendidas como expressões precoces de genes que mais tarde serão expressos como enxaqueca. Entre essas condições podemos citar crises de torcicolo, vertigem, vômitos cíclicos, além das misteriosas cólicas dos bebês.
O choro normal da criança começa a se intensificar nas primeiras semanas de vida, alcança o seu topo entre a sexta e oitava semana, e aos três meses já começa a dar uma trégua. A cólica dos bebês é uma forma intensificada desse choro e é definida como crises de choro por pelo menos três horas e pelo menos três vezes por semana. Também é chamada de choro inconsolável e está associada a uma maior incidência de casos da síndrome do bebê chacoalhado, condição em que um adulto sacode a criança para discipliná-la, tentando interromper o choro. Isso pode levar a lesões traumáticas de diferentes gravidades.
O termo cólica traz uma conotação de que o desconforto tem origem no aparelho digestivo e são vários os estudos que tentam ligar a cólica com gases intestinais, microbiota, alergia à proteína do leite, intolerância à lactose. Alguns apresentam resultados positivos e outros negativos.
Por que seria um bebê com bagagem genética de um “cérebro de enxaqueca” mais propenso a ter crise de choro? Uma das maiores características de um cérebro enxaquecoso é a hiperexcitabilidade, uma maior sensibilidade a estímulos sensoriais como ruídos e luz. A transição do útero para o mundo cheio de estímulos pode fazer mesmo diferença a partir de algumas semanas, a partir de um nível de desenvolvimento da acuidade visual e auditiva. Isso pode explicar o porquê de a cólica ser mais frequente entre a sexta e oitava semanas de vida, e não no período neonatal. Uma pesquisa chegou a demonstrar que a restrição de estímulos sensoriais foi capaz de reduzir o problema.
Com esse corpo de conhecimento, já se discute a modificação do termo cólica por algo como “Agitação Paroxística do Lactente”, já que a raiz do problema pode ter mais a ver com o cérebro do que com a barriga.
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.
Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
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