Sinais químicos das lágrimas femininas reduzem a agressividade entre os homens
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
Poucos devem discordar de que as experiências sensoriais olfativas têm forte relação com nosso cérebro emocional. É aquele perfume que faz você lembrar, profundamente, da primeira paixão da sua vida. As vias olfativas têm conexão direta com regiões do cérebro que modulam as emoções, como é o caso das amígdalas nos lobos temporais. E essa conexão não tem escalas. Explico. No caso dos outros sentidos, todas as informações passam por uma modulação em uma estrutura cerebral, o tálamo, que de certa forma filtra os estímulos que farão conexão com regiões que regulam as emoções. O olfato segue seu caminho a essas regiões sem passar por essa peneira.
Discutimos recentemente o poder que a inalação de diferentes óleos essenciais durante o sono exerce sobre o cérebro humano, incrementando a memória e aumentando o fluxo sanguíneo de áreas associadas a esse domínio cognitivo. Em camundongos esse mesmo estímulo promove a gênese de neurônios nessas mesmas áreas que fazem parte de um sistema maior que também regula as emoções, o sistema límbico. Circuitos da memória e emoções são vizinhos íntimos.
Esta semana tivemos a demonstração por pesquisadores do Instituto de Ciências de Weizmann, em Israel, e da Universidade de Duke, nos EUA, de que a inalação de lágrimas de uma mulher, e precisa estar dentro de um contexto emocional, contêm sinais químicos capazes de reduzir em 43,7% a agressividade entre os homens, reduzindo o fluxo sanguíneo em áreas associadas à agressividade, especificamente ínsula anterior e córtex pré-frontal. Já sabíamos que a inalação das lágrimas femininas reduz os níveis de testosterona entre homens, que por sua vez têm relação com a agressividade masculina. A agressividade era provocada por um game em que homens eram sugestionados que tinham sido trapaceados e podiam usar táticas para se vingarem.
Em 2023, o Distrito Federal bateu o recorde de feminicídios em apenas um ano, de acordo com reportagem publicada neste jornal. Foram 35 mulheres e os machos indomáveis não pouparam nem a noite do último dia do ano. Jaqueline tinha 29 anos e foi morta a facadas pelo seu ex que não aceitava o fim do relacionamento, de acordo com apuração deste jornal. Jaqueline representa a história de grande parte das mulheres que perderam a vida por homens que tem ou teve relação íntima com a vítima e cometem o crime como vingança, penso eu que por não suportar a ideia de que ela agora não é mais sua propriedade. Quando usei o termo “machos indomáveis” foi em referência ao admirável livro “O macho demoníaco: as origens da agressividade humana” de Richard Whranhham e Dale Peterson. Um trabalho de campo com primatas com um corpo teórico impecável que nos faz entender melhor a violência humana. Editora Objetiva, 1988.
No caso da violência contra a mulher, esse estudo nos faz pensar em uma auto regulação da natureza que faz com que o homem se torne menos agressivo após ser exposto à inalação química das lágrimas da mulher. Mas essa auto regulação parece que está totalmente quebrada para muitos. O estudo me fez lembrar dos saches de óleos essenciais durante o sono para turbinar a memória. Saches de lágrimas femininas para controlar o macho indomável não vão dar conta, nem de longe, do recado. As lágrimas, muitas vezes, já são resultado de assédio moral, ameaças, e nada justifica ficarmos congelados. Temos a PM, a Central de Atendimento à Mulher, a Lei Maria da Penha e o protocolo Não é Não que foi sancionado como lei no último dia 28 de dezembro pelo Presidente Lula.
Cinco amigas no Rio de Janeiro iniciaram um projeto com capilarização nacional no combate contra a violência sexual à mulher com este mesmo nome – Não é Não. Na mesma época, em 2018, a cidade de Barcelona torna-se referência na proteção da mulher em espaços públicos através do protocolo “No Callem” (não nos calaremos, em tradução livre), ferramenta que deu celeridade à prisão do jogador Daniel Alves em 2022 após evidências de ter estuprado uma jovem no banheiro de uma boate.
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.
Matéria originalmente no site doCorreio Braziliense.
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