Vida social deve fazer parte da prescrição médica para o cérebro

Os médicos costumam lembrar seus pacientes de qualidade de sono, dieta e atividade física. Por que não incluir nesse roteiro uma “prescrição social”?

Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*

A solidão aumenta o risco de demência, doenças cardiovasculares, sono de má qualidade, deficiência imunológica, depressão e ainda faz a pessoa morrer mais cedo. Será que esses efeitos da vida solitária podem ser explicados pela ausência de “cães de guarda”, pessoas que estimulam bons hábitos e reprimem maus hábitos? Pode até ser, mas parece que existem outras explicações.

Temos evidências que a solidão é capaz de mudar a percepção, os pensamentos, a química e a estrutura do cérebro. Os solitários são mais sensíveis a experiências ruins como quando são apresentados a imagens de pessoas com expressão facial de dor. Exames de ressonância magnética funcional demonstram que o isolamento social faz com que as áreas do sistema de recompensa cerebral sejam menos ativadas quando provocadas com estímulos sociais, o que explica a menor empolgação por um hipotético encontro.

Pesquisas com ratinhos mostram que o isolamento reduz hormônios cerebrais que modulam a agressividade e diminui também o processo de mielinização, que é fundamental para a plasticidade cerebral. Influencia ainda a expressão de genes ligados a comportamentos ansiosos. Os animais que crescem solitários têm uma inibição no crescimento de novos neurônios em áreas associadas à comunicação e à memória. Em um modelo de derrame cerebral, provocado intencionalmente, ratinhos solitários morrem mais do que os que cresceram com os companheirinhos.

Os médicos costumam lembrar seus pacientes de qualidade de sono, dieta e atividade física. Por que não incluir nesse roteiro uma “prescrição social”? Em vez de simplesmente falar ao paciente que ele deveria socializar mais, se for o caso, abordar individualmente janelas de oportunidade para que isso aconteça pode ser mais efetivo. É um momento ímpar para o estreitamento da relação médico-paciente. É inspirar uma reflexão de Etnia do extraordinário Chico Science:

Não há mistérios em descobrir
O que você tem e o que gosta
Não há mistérios em descobrir
O que você é e o que você faz

*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.

Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
Crédito foto:
PEXELS

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