A atividade cerebral fica parecida com a do outro quando interagimos
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
Cena 1: sala de aula. O professor discute o tema com alunos interessados e que participam ativamente. Os cérebros passam a ficar sincronizados. Neurônios são ativados ao mesmo tempo nas mesmas localizações, como se estivessem dançando juntos. A sincronização é mais forte quando as partes constroem o conhecimento juntos, como na metodologia de ensino baseada em problemas (PBL), do que numa aula expositiva onde o professor fala e os alunos ouvem.
Cena 2: show de música. A sincronização entre as pessoas da plateia também acontece, especialmente entre aqueles que estão tendo prazer com o espetáculo. Claro que esse contágio também acontecerá em rituais religiosos ou na arquibancada do estádio de futebol ao entoar um canto de torcida.
Cena 3: casal de namorados conversando sobre um acontecimento do dia. A sincronização se dará entre eles de forma mais robusta do que entre estranhos.
Cena 4: reunião de trabalho. Os que trabalham mais para alcançar um consenso têm maior sincronização cerebral com os outros do que aqueles que falam muito sem buscar o entendimento entre as partes.
A sincronização é demonstrada através da atividade elétrica e de fluxo sanguíneo e não é um fenômeno que é explicado pela simples experiência compartilhada. Eu ouço, vejo o mesmo que o outro, e assim, ambos os cérebros são ativados em determinadas regiões. A história vai muito além disso.
Vamos explorar o casal para explicar. João tem uma série de circuitos neuronais “H” disparados que refletem o seu comportamento, mas tem outra série de circuitos “O” disparados pela percepção do comportamento de Ana. Ana tem ativação de circuitos “O” do seu próprio comportamento, mas tem disparos de circuitos “H” pela percepção do que João está fazendo.
A soma dessa atividade é semelhante nos cérebros de João e Ana, mas é mais do que uma soma simples: “H” e “O” ativados em ambos os cérebros cria algo maior. Podemos fazer uma analogia com H e O de hidrogênio e oxigênio. Juntos criam algo especial que é a água: João tem um pouco da atividade cerebral de Ana e Ana um pouco da de João.
A sincronização entre os cérebros permite a preparação para a interação, já que ambos têm uma nova linguagem em comum. Esse conhecimento tem origem em pesquisas em animais, como roedores e morcegos, mas também em humanos. As cenas elencadas no início dessa coluna não são obras de ficção.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília.
Matéria publicada originalmente no site do Correio Braziliense.
Imagem: pexels.com