A incerteza pode ser pior do que notícia ruim

Há pessoas mais vulneráveis que outras à experiência do incerto e é isso é visto como um traço de personalidade que aumenta a chance de transtornos mentais, como a ansiedade. E nesses tempos de pandemia, essa associação ficou ainda mais robusta.


Quando alguém nos fala: tenho duas notícias pra contar, uma boa e outra ruim. Qual você quer ouvir primeiro? A grande maioria responde que quer ouvir a ruim antes. Reconhece-se que o ser humano tem uma tendência a dar mais atenção a informações negativas do que às positivas. Ter consciência de informações negativas, e presumivelmente ameaçadoras, pode ser visto como um traço de adaptação da espécie.

E o que dizer do incerto? Numa situação em que alguém nos diz: Tenho uma coisa para lhe contar. Você quer ouvir? Poucos devem discordar que a maioria nessa situação diria: conta logo!

A incerteza é vista pela psicologia como a antecipação de uma ameaça pouco definida. Se a exposição a um estímulo negativo representa uma ameaça, a exposição ao desconhecido pode ser ainda mais ameaçadora, já que não se sabe o tamanho do suposto inimigo. Alguns estudos nos mostram que o suspense da incerteza gera mais alterações fisiológicas associadas à ansiedade do que o confronto a estímulos negativos bem definidos. As pessoas preferem um capeta conhecido a um capeta que ainda não conhecem.

Uma pesquisa publicada pelo periódico Nature Communications confirma essa ideia. Voluntários mostravam mais sinais físicos de estresse quando estavam numa situação de expectativa do que quando já sabiam que o desfecho tinha grande chance de ser ruim. O estudo foi feito com um game em que os participantes tinham que atravessar um terreno pedregoso e ficar atentos a cobras. Caso encontrassem uma cobra eles levariam um pequeno choque. Quando a chance de se deparar com uma cobra era de 50%, níveis máximos de estresse eram encontrados. Quando a chance era de zero ou 100%, os níveis de estresse caíam a níveis mínimos. Por outro lado, o estresse trouxe também seus efeitos benéficos. Quanto maiores os níveis de estresse maior foi a capacidade de fugir das cobras. O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Londres.

Outra pesquisa publicada pela revista Nature Neuroscience revelou que os macacos também querem saber das coisas o mais rápido possível, e que do ponto de vista neuroquímico, esse acesso adiantado à informação é semelhante ao de outros tipos de recompensa cerebral. Neste caso, o experimento envolvia a recompensa de uma quantidade de água maior ou menor. Outras pesquisas têm mostrado que, quando o assunto em questão envolve uma experiência negativa, a preferência por acesso rápido à informação é ainda maior.

Sabe-se desde a década de 1990 que há um contingente de pessoas com transtornos de ansiedade que tem muita dificuldade com a incerteza, e essa dificuldade é vista hoje como um traço de personalidade. As pessoas com quadro de anorexia costumam ter traços de personalidade de perfeccionismo, os obsessivos-compulsivos têm níveis de responsabilidade inflados, e a psicoterapia nessas condições foca os esforços para fazer com que essas características sejam moduladas permitindo um melhor equilíbrio mental. Da mesma forma, as pessoas com alta vulnerabilidade ao incerto devem ter o tratamento psicoterápico focado nessa fraqueza.

As pessoas com maior grau de intolerância à incerteza frequentemente vivem em uma rotina com a menor chance de surpresas. Muitas vezes acabam tomando decisões precipitadas para sair do suspense do desconhecido. E aí vem o megadesafio: a pandemia.  

Tudo passou a ficar em um estado de incerteza absoluto. Trabalho, escola, viagens, boletos a pagar, a vida, tudo incerto. Dezenas de estudos foram feitos desde então mostrando que as pessoas mais frágeis à experiência do desconhecido são as que mais têm sofrido por problemas emocionais nesse período.

Um estudo publicado em janeiro deste ano por pesquisadores da Universidade de Illinois nos EUA reavaliou os voluntários que tinham feito parte de uma pesquisa sobre intolerância ao desconhecido dois anos antes da pandemia. A reavaliação foi feita durante a pandemia e aqueles que tinham maiores escores na escala de intolerância e maior atividade numa região do cérebro chamada de ínsula no estudo inicial foram os que apresentaram maiores níveis de estresse, ansiedade e depressão na pandemia. Mas é claro que a perda de um ente querido provoca mais sofrimento que qualquer incerteza.

 

Confira o áudio da coluna Cuca Legal, uma parceria do ICB com a Rádio CBN Brasília:

Fale conosco via WhatsApp