Será que a flora intestinal pode regular nosso bem estar mental?


Muitas companhias de alimentos probióticos vendem a ideia de que cultivar no intestino as bactérias certas pode ser meio caminho andado para nosso bem-estar mental.  Os cientistas eram muito céticos quanto a essa possível influência, mas hoje chegam a chamar o intestino de “segundo cérebro”.

A comunicação entre o cérebro e o sistema digestivo é conhecida há muito tempo, especialmente no que tange a influência de “cima para baixo”. Expressões como frio na barriga dizem muito sobre isso. O cérebro regula o sistema digestivo através do sistema nervoso autônomo, composto pelos sistemas simpático e parassimpático.  São eles que controlam nossos batimentos cardíacos, a respiração e a digestão.  A rede de neurônios do sistema digestivo é tão robusta que até funcionaria sem o cérebro, mas é bem mais inteligente com as comunicações de cima para baixo e de baixo para cima.

Além das fiações que ligam o cérebro ao sistema digestivo, também é bem reconhecida a influência dos hormônios e mais recentemente a flora intestinal. As bactérias do intestino podem ter influência em condições clínicas como a depressão, ansiedade e o autismo, e uma das formas de entender essa relação é o fato de que algumas bactérias são produtoras de neurotransmissores como o GABA.  E parece que o contato com bactérias durante o nascimento já faz alguma diferença. Ratinhos que nascem por parto cesárea têm mais comportamentos de ansiedade e depressão do que os nascidos por parto vaginal.

Uma pesquisa mostrou que um modelo de ratinho de comportamento ansioso e antissocial apresentava menores níveis de uma bactéria frequentemente encontrada na flora intestinal, Bacterioidis fragilis. Os pesquisadores reverteram esse comportamento dos ratinhos ao alimentarem os mesmos com a bactéria.  Eles também demonstraram que os ratinhos estressados tinham uma maior concentração no sangue de um metabólito bacteriano (4EPS) e que a injeção desse metabólito em ratinhos normais provocava o comportamento alterado.

As possibilidades de associação da flora intestinal com algumas doenças neuropsiquiátricas estão só engatinhando. Não podemos dizer muita coisa ainda, mas a neurociência está de olho.

Check-up cerebral. Quando é que isso faz sentido?


Ouço às vezes no consultório jovens dizendo coisas do tipo: “Já fiz check-up com o cardio, com o gastro, agora só falta o neuro”.  Mas afinal, que tipo de check-up as pessoas realmente devem fazer? Vale a pena fazer um check up neurológico?

Elenco a seguir três questões que frequentemente despertam a vontade de fazer um check-up neurológico.

Testes genéticos que podem demonstrar uma maior chance de desenvolver doença de Alzheimer no futuro?

Alguns genes estão associados a um maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer, mas nem por isso faz sentido realizar testes genéticos para sabermos se nosso risco é um pouco maior do que o de outras pessoas. Os resultados não vão mudar em nada as orientações para prevenção da doença.  Esse tipo de teste ainda só é recomendado para fins de pesquisa.

Todo mundo poderia fazer exame para descartar aneurisma cerebral? Qual é o custo benefício?

Atualmente recomenda-se que indivíduos com dois ou mais parentes de primeiro grau que apresentam aneurismas cerebrais confirmados devam ser investigados, pois são esses que apresentam um risco significativamente aumentado – 50 vezes maior. Entretanto, a relação custo-benefício muda de acordo com o nível de medo que cada indivíduo tem de apresentar um aneurisma cerebral. Em algumas situações, quando a apreensão é muito grande, pode valer a pena fazer uma investigação mesmo que o indivíduo não tenha qualquer antecedente familiar.

Para a prevenção de derrame cerebral, o estudo das carótidas vale a pena?

Placas de aterosclerose das artérias carótidas são a principal fonte de derrame cerebral e a recomendação atual é que o estudo dessas artérias deve ser feito naquelas pessoas que tem pelo menos dois fatores de risco para derrame cerebral (hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, dislipidemia, síndrome metabólica).

Resultados falso-positivos levam à ansiedade, novos exames que não raramente são invasivos e, por vezes, até cirurgias desnecessárias. A isso se dá o nome de iatrogenia que é a contramão do que o pai da medicina Hipócrates deixou como princípio ético – primum non nocere (em primeiro lugar, não fazer mal). Check-ups para pessoas assintomáticas só devem ser realizados quando existem evidências de que os benefícios são maiores que os danos. Isso não quer dizer que as pessoas devem deixar de ir ao médico ou ao dentista pelo menos uma vez ao ano, especialmente após os 40 anos.

Nos tempos de hoje, os médicos já não precisam cuidar só dos doentes, mas também das pessoas saudáveis. Estamos sempre vulneráveis a sermos rotulados como portadores de alguma disfunção ou transtorno.

Divirta-se a valer. Seu cérebro agradece


No contexto da evolução das espécies, o ser humano pode ser considerado um recém-nascido. Os mamíferos apareceram há 225 milhões de anos, os primatas há 65 milhões, e os ancestrais hominídeos apareceram há cinco milhões de anos. Alguns podem achar cinco milhões de anos muito tempo, mas pode ser interessante lembrar que nosso código genético, que é como se fosse um texto composto por três bilhões de letras, é idêntico ao de um chimpanzé em 98,5% do seu conteúdo.

 

A população mundial está envelhecendo, e isso é explicado em parte pelos grandes avanços da ciência nas últimas décadas. A expectativa de vida do Australopitecus há quatro milhões de anos era de apenas 15 anos, 25 anos para europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX, 55 anos no início do século XX, e atualmente, em muitos países, a expectativa de vida já é maior que 75 anos de idade. Como podemos perceber, nossos ancestrais não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie.

 

Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Essa é uma forma importante de entender o porquê das doenças degenerativas. Mas vamos deixar de lado as doenças, e focar no nosso envelhecimento normal.

 

Temos inúmeras evidências do declínio funcional de nosso organismo em idades mais avançadas. O impacto no sistema nervoso é significativo, pois é este sistema que permeia toda nossa interação com o mundo à nossa volta (e.g.; órgãos dos sentidos, respostas motoras, emoção), também chamada Vida de Relação. Talvez seja também o sistema cuja perda de funções seja mais temida por nós. O próprio conceito de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde reflete sobremaneira a dimensão de perdas do sistema nervoso: redução da adaptabilidade a estímulos sensoriais.

 

Já se conhece bastante sobre as alterações cerebrais morfológicas e fisiológicas associadas ao processo de envelhecimento normal. Por volta dos 15 anos de idade nosso encéfalo alcança seu maior peso (~ 1350g), com uma perda de cerca de 1,5% desse peso a cada década.  Essa redução se dá muito mais por redução do tamanho dos neurônios do que por destruição dos mesmos. Paralelamente, há uma redução no número de conexões entre os neurônios e significativo acúmulo de substâncias associadas ao envelhecimento que dificultam o pleno funcionamento cerebral.

 

Do ponto de vista funcional, essas alterações estruturais só começam a ter impacto após a sexta década de vida. Em média, só a partir dos 60 anos é possível confirmar declínio de capacidades psicométricas, com exceção da fluência verbal que declina levemente já na quinta década de vida. O declínio dessas capacidades é muito modesto até os 80 anos, quando se torna mais acentuado em pelo menos 50% dos indivíduos.

 

Um conceito fundamental para entendermos melhor como investir bem em nosso cérebro é o conceito de Reserva Cerebral. Se o nosso cérebro tem uma tendência natural a perder um pouco de seu desempenho em idades mais avançadas, quanto mais conexões formarmos no decorrer da vida, quanto mais aumentarmos nosso repertório, menor a chance de que pequenas perdas estruturais tenham repercussão funcional. E o que dirá quando o indivíduo apresenta doença cerebral como a Doença de Alzheimer? Maiores reservas fazem com que mais tempo de doença seja necessário para que ela se manifeste clinicamente. Ou seja, quanto maior a reserva, mais tempo o cérebro mantém seu funcionamento normal, mesmo que ele esteja doente. E isso já foi demonstrado em inúmeros estudos.

 

O status socioeconômico e educacional é sem sombra de dúvidas um dos pilares mais fortes de nossa Reserva Cerebral, sendo que quanto maior esse status, maior a reserva. Até mesmo a época em que nascemos faz diferença, sendo que indivíduos que nasceram e cresceram em épocas mais recentes apresentam melhor desempenho cognitivo do que suas gerações anteriores. Um dos estudos que bem ilustra esse efeito é o Nun Study que analisou o repertório linguístico do diário de freiras quando jovens. Os diários que receberam maior pontuação foram de freiras que apresentaram melhor desempenho em testes cognitivos quando idosas, menor risco de demência e maior longevidade.

 

Estudos bem recentes demonstram que o cérebro do idoso ao ser treinado responde com melhora de desempenho nas habilidades ensinadas. Tais treinamentos foram realizados com exercícios para estimulação da memória, resolução de problemas, velocidade de processamento, alguns deles por meio de sofisticados softwares. Entretanto, parece que atitudes mais instintivas e artesanais podem ter efeito também bastante significativo: a atividade de lazer é um exemplo.

 

Há cerca de uma década, repetidos estudos vêm demonstrando que lazer é coisa séria, e é um hábito que está associado a um menor risco de desenvolver demência. A explicação reside no fato de que o lazer também é capaz de treinar nossos cérebros, aumentando nossa Reserva Cerebral. O interessante é que algumas atividades de lazer parecem ser mais positivas do que outras. Estudos realizados na cidade de Nova York revelaram que as atividades mais “protetoras” foram leitura, palavras cruzadas, jogos de tabuleiro, passeios turísticos, visitas a amigos e parentes, idas ao cinema, restaurante ou a evento esportivo, tocar instrumento musical.

 

Bastante provocador foi o resultado de um estudo semelhante realizado na China e publicado em 2006 confirmando que leitura e jogos de tabuleiro estavam associados a menor declínio cerebral após os 55 anos de idade. Entretanto, indivíduos com mais horas dedicadas à televisão apresentaram mais chance de declínio cognitivo e menor dedicação a outras atividades de lazer. Discute-se o fato de que muito daquilo que o indivíduo vê na TV demanda reduzidos níveis de atividade cognitiva. Isso não quer dizer que um maior tempo de TV causa declínio cognitivo, mas também pode ser a consequência de um estado pré-clínico de déficit cognitivo com redução do interesse por outras atividades.

 

De qualquer forma, precisamos estar atentos em estimular os nossos jovens a desenvolver um repertório amplo de atividades de lazer “inteligentes”, pois os hábitos são mais fáceis de serem adquiridos quando iniciados em fases mais precoces da vida. Quanto aos nossos idosos, atenção redobrada. Podemos começar por melhor conhecer e demandar aquilo que está escrito no Estatuto do Idoso, em vigor em nosso país desde 2003:

 

Art. 3º – É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

 

Art. 21º – O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.

 

Art. 24º – Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural e ao público sobre o processo de envelhecimento.
Os Titãs não estavam falando em luxo com: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Existem alimentos que realmente podem melhorar o desempenho cerebral?


A teoria da evolução defende a tese que nós humanos chegamos até aqui com o cérebro que temos, pelo menos em parte, graças ao nosso padrão de alimentação.  Há uma série de evidências paleontológicas que nos aponta que existe uma relação direta entre acesso ao alimento e tamanho do cérebro, e que mesmo pequenas diferenças nesse acesso podem influenciar a chance de sobrevivência e o sucesso reprodutivo. Entre os hominídeos, pesquisas mostram que o tamanho do cérebro está associado a diversos fatores que em última instância refletem o sucesso em se alimentar como é o caso da capacidade de preparar alimentos, estratégias para poupança de energia, postura bípede e habilidade em correr.

O consumo de ácidos graxos da família Ômega 3 é a mais estudada interação entre alimento e a evolução das espécies. O ácido docosahexanóico (DHA) pode ser considerado o ácido graxo mais importante para o cérebro, já que é o mais abundante nas membranas das células cerebrais e são considerados essenciais por não serem produzidos pelo organismo humano, que precisa obtê-los por meio de dieta. Acredita-se que o consumo de Ômega 3 teria sido fundamental para o processo de aumento na relação peso cérebro/ peso corpo, fenômeno conhecido como encefalização, ou seja, aumento progressivo do tamanho do cérebro em relação ao corpo ao longo do processo evolutivo. Estudos arqueológicos apoiam essa hipótese, já que esse processo de encefalização não ocorreu enquanto os hominídeos não se adaptaram ao consumo de peixe.

A crescente oferta de alimentos ricos em gorduras saturadas e gorduras trans, que por sinal não são nada saudáveis, vem acompanhada de uma redução no consumo de Ômega 3 no mundo ocidental contemporâneo. Pesquisas apontam que a deficiência de Ômega 3 está associada a uma série de transtornos neuropsiquiátricos, como é o caso da depressão e transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção e dislexia.

Ao contrário, já foi demonstrado que dietas ricas em Ômega 3, ou até mesmo na forma de suplementos alimentares, são capazes de melhorar o aprendizado e memória de crianças, e ainda reduzem o risco de desenvolver depressão e demência. Além disso, há estudos que demonstram que o consumo de gorduras saturadas e trans está associado a um pior desempenho cognitivo. Atualmente, a Associação Americana de Psiquiatria reconhece a importância do Ômega 3 no tratamento de transtornos de humor da mesma forma que a American Heart Association recomenda o consumo de peixes ricos em Ômega 3 (salmão, sardinha e atum) pelo menos duas vezes por semana para prevenção de doenças cardiovasculares.

Nos últimos anos podemos observar uma série de evidências de que outros tipos de alimentos podem fazer diferença no funcionamento do nosso cérebro. Várias desses benefícios ao cérebro foram demonstrados apenas em animais, como é o caso da curcumina encontrada no tempero curry e o famoso Ginkgo biloba.

Os alimentos cafeinados, além de poderem aumentar o desempenho psicomotor, estado de vigília, atenção e humor, têm-se mostrado cada vez mais poderosos na prevenção de doenças neurodegenerativas e cardiovasculares. Outros nutrientes até já tiveram efeitos positivos demonstrados em estudos clínicos, especialmente os oligoelementos como as vitaminas e sais minerais na prevenção do declínio cognitivo ao longo do envelhecimento cerebral. Entretanto, tais estudos ainda não são conclusivos ao ponto de se poder recomendar a suplementação de pílulas de vitaminas para o cérebro. O grande negócio ainda é uma dieta equilibrada que contemple todas as famílias de nutrientes que precisamos.

E para ficar com o cérebro “sarado”, manter o peso em dia é uma ótima receita, já que a obesidade está associada a um pior desempenho cognitivo. A razão? Uma série de hormônios associados ao sistema digestivo e ao nosso metabolismo (ex: insulina, leptina, grelina) influenciam também a função cerebral.

Se quisermos juntar tudo que sabemos hoje sobre o que os alimentos têm a oferecer ao nosso cérebro num pacote só, adotar a Dieta Mediterrânea pode ser uma atitude bastante acertada, já que une as virtudes do Ômega 3 dos peixes e do azeite, o poder antioxidante do vinho tinto, das frutas, verduras e cereais integrais, e o baixo consumo de gordura saturada pela pequena ingesta de carnes e laticínios. Seria ainda muito bem vindo nesse pacote o chá verde, o café e o chocolate amargo.

Uma recente metanálise analisou os efeitos da Dieta Mediterrânea e demonstrou:

 – redução da mortalidade geral em 9%

 – redução da mortalidade por doenças cardiovasculares em 9%

– redução da mortalidade por câncer em 6%

– redução da incidência de Doença de Parkinson em 13%

– redução da incidência de Doença de Alzheimer em 13%

Que tal?

Pílulas para turbinar o cérebro. Onde estamos e onde podemos chegar?


Já existem no mercado diferentes medicações que têm o poder de melhorar o desempenho de memória e concentração, e os médicos costumam prescrevê-las a pacientes com disfunções neuropsiquiátricas. Entretanto, nos últimos tempos podemos perceber que a prescrição dessas medicações tem sido estendida a outras situações, como é o caso de indivíduos que trabalham em turnos noturnos, militares, e até mesmo a pessoas que simplesmente querem “turbinar” o cérebro para o trabalho, com a intenção de melhorar a atenção e a memória.

Onde é que vamos chegar com isso? Além dos prós e contras dessas medicações sobre nossa saúde no longo prazo, certamente há uma grande questão ética a ser discutida. Tais medicações têm sido cada vez mais usadas em todo o mundo, cada vez em idades mais precoces. Uma recente enquete realizada pela revista britânica Nature envolvendo 1400 leitores (cientistas e estudantes) de 60 diferentes países revelou que 20% das pessoas que responderam à pesquisa já tinham usado medicações com a intenção de melhorar o desempenho cerebral por razões não médicas, 25% desses com consumo diário. O uso não foi diferente entre as diversas faixas etárias, sendo que 50% das pessoas queixaram-se de efeitos colaterais e um terço das pessoas adquiriam as medicações pela internet, sem necessidade de receita médica. Para se ter ideia da complexidade da discussão vejam o que um cientista americano de 66 anos de idade respondeu à pesquisa: “Como cientista, é minha missão usar todas as ferramentas ao meu alcance para o benefício da humanidade. Se essas drogas podem contribuir para esse fim, então é minha tarefa usá-las.”

No consultório de neurologia, frequentemente atendo pessoas querendo uma medicação para esse fim. Recentemente uma paciente que fazia curso preparatório para concurso público disse que o próprio professor, um juiz federal, a orientou a procurar um neurologista com o seguinte apelo: “já existem medicações que podem melhorar seu desempenho”. Posições radicais como “Oh, que horror!” não costumam colaborar muito. É hora sim de aprofundarmos essa discussão com a participação de diversas áreas do conhecimento.

Já existem medicações que permitem que o indivíduo fique até três dias sem dormir e “disposto”, e pouco conhecemos sobre seus efeitos a médio e longo prazo. Será que chegaremos ao ponto de criar políticas antidoping no caso de concursos públicos? Chegaremos a viver numa sociedade que não relaxa e não dorme, já que as vantagens evolutivas da nossa tão falada sociedade da informação são muito mais cerebrais do que musculares e sexuais? Será que os pais ao verem inúmeros colegas de seus filhos usando medicações para o vestibular vão deixar de usar tais hipotéticas armas de competição? É difícil alguém se imaginar cometendo um neurodoping ao consumir 10 xícaras de café por dia nos meses que antecedem um concurso. Com pílulas deveria ser diferente? Será que essas pílulas poderiam nos oferecer mais do que uns cafezinhos durante o dia? Um indivíduo nascido rico e com boa nutrição no seu desenvolvimento tem inequívocas vantagens competitivas do ponto de vista cerebral quando comparado a outro que passou a infância desnutrido. “Medicações espertas” podem um dia contribuir para reduzir as consequências das desigualdades sociais?

A ciência tem muito que investir na avaliação do custo-benefício dessas drogas neuromoduladoras em indivíduos sem queixas ou diagnósticos neuropsiquiátricos. Já existem estudos sendo conduzidos ao redor do mundo, inclusive no Brasil, buscando saber se o uso de antidepressivos usados por indivíduos saudáveis não poderiam deixá-los melhores ainda. Ainda sabemos pouco. E quem disse que as pílulas têm mais poder de provocar alto desempenho cerebral do que uma vida saudável com tudo aquilo que sabemos que faz bem ao cérebro: educação, alimentação e sono adequados, atividade física, equilíbrio emocional, etc. Minha aposta é que as pílulas não ganham a disputa.

Lazer é coisa séria


Muitos de nós já fizemos planos de voltar a curtir as coisas que adorávamos fazer quando tínhamos mais tempo livre, e muitas dessas atividades estão ligadas ao esporte: o futebolzinho com os amigos, caminhar com as amigas, andar de bicicleta, etc. Uma boa parte da enorme lista de benefícios da atividade física regular é do conhecimento de todos e incluem maior longevidade, melhor desempenho cerebral, melhor saúde psíquica e menor risco de doenças vasculares, degenerativas e neoplásicas.

Conhece-se bem menos sobre o impacto do lazer sobre nossa saúde independente da atividade física, como é o caso da leitura, cinema, música, etc. Alguns estudos, entretanto, têm revelado efeitos positivos interessantes.

Pesquisadores suecos demonstraram na década de 90 uma maior longevidade entre pessoas que frequentavam eventos culturais. O mesmo grupo realizou um outro estudo que analisou a relação entre a participação em eventos culturais e o status geral de saúde. Duas entrevistas com intervalo de oito anos entre elas foram aplicadas a 3800 voluntários. Os indivíduos que apresentaram altos escores de participação em atividades culturais apresentavam 65% mais chance de se julgarem saudáveis quando comparados àqueles com baixos escores. Ainda mais importante foi o fato de que aqueles que partiram de um status de baixa atividade cultural na primeira entrevista e passaram a ter uma maior participação na segunda entrevista, atingiram uma auto percepção de saúde semelhante àqueles que apresentavam altos scores em ambas as entrevistas.

As possíveis explicações para os benefícios do lazer sobre nossa saúde incluem desde dimensões psicossociais, até mesmo biológicas. As atividades de lazer podem aumentar nossa rede de relacionamentos, nossas conexões sociais. Esse é um fator que está associado a uma menor concentração de hormônios do estresse e já foi demonstrado que com isso há redução dos riscos de doença isquêmica do coração (os animais de estimação também exercem esse efeito). Além disso, o lazer pode aumentar os níveis do hormônio ocitocina e do neurotransmissor serotonina, ambos associados ao bem-estar psíquico. Uma simples aula de canto é capaz de aumentar os níveis do hormônio ocitocina, hormônio que pode ser considerado como modulador do estresse.

O lazer também promove a estimulação de nossos centros cerebrais de recompensa associados ao prazer. Essas são as mesmas regiões do cérebro estimuladas quando nos deliciamos com um saboroso alimento, quando experimentamos a paixão, quando compramos algo novo e muito desejado, quando temos atitudes altruístas ou quando solucionamos um problema. A ativação desses centros leva à liberação de uma série de neurotransmissores como dopamina, serotonina, endorfina, e que estão associados à sensação de prazer. O lazer é uma das maiores oportunidades para fugirmos da rotina, da repetição. Assim nosso cérebro vivencia o novo e o inesperado, que são fatores críticos para a estimulação de nossos centros de recompensa, com boas repercussões sobre a saúde psíquica e o estado imunológico.

Um meio rico em estímulos promove ainda uma maior saúde de regiões cerebrais tais como o hipocampo, que está relacionado a uma maior atividade cognitiva e menor risco de depressão. Há uma forte linha de pesquisa mostrando-nos que os idosos que mantêm ativas suas atividades de lazer têm menos risco de desenvolver a Doença de Alzheimer.

Diferentes modalidades de lazer também têm sido demonstradas como ferramentas preciosas para o tratamento de pessoas doentes: música, literatura, teatro e pintura. A música, por exemplo, aumenta a velocidade de recuperação de pacientes na fase aguda de um derrame cerebral, reduz a agitação de adultos em unidades de terapia intensiva e melhora o comportamento de crianças internadas com transtornos psiquiátricos.

O lazer tem sido levado cada vez mais a sério, e não devemos achar que sua importância seja restrita a sociedades superdesenvolvidas como o Estado de bem-estar social sueco. No Brasil ainda temos que suar muito a camisa para alcançarmos padrões mínimos desejáveis de desenvolvimento social, e estamos melhorando. O lazer associado ou não ao esporte pode ajudar a alavancar ainda mais esse desenvolvimento. Do ponto de vista de política pública, o lazer é um investimento relativamente barato com frutos em várias dimensões do desenvolvimento humano: saúde é só uma delas!

Pode acreditar. A fé é uma grande aliada da saúde


Alguns enxergam a religiosidade simplesmente como uma forma de controle social, algo maior vigiando o comportamento humano. Outra forma de entendê-la é pensar que a evolução da espécie humana favoreceu a experiência religiosa como um mecanismo que ajuda a manter comunidades unidas e também a promover um melhor autocontrole mental. A princípio, quando uma meta é encarada como sagrada, o indivíduo teria maior tendência em se esforçar para alcançá-la. Mais do que isso, o sagrado abastece a mente humana no desafio de pensar sobre a vida e a morte, e em tempos mais remotos, era fundamental para o entendimento dos sonhos e fenômenos da natureza.

Marx, Freud, Weber, entre tantos outros, defenderam a ideia de que a modernidade reduziria a influência das crenças religiosas na sociedade. No Brasil, nos últimos 20 anos, houve um discreto aumento na porcentagem de brasileiros que dizem não ter uma religião: em 1991 essa cifra era de 4.75% e em 2009 passou para 6.7%. Entretanto, é notório que a humanidade continua com altos índices de religiosidade.

A religiosidade tem seu lugar no cérebro? A neurociência tem demonstrado que a experiência religiosa estimula circuitos cerebrais do neurotransmissor dopamina, os mesmos circuitos que são considerados disfuncionais em transtornos neuropsiquiátricos em que a hiperreligiosidade faz parte do quadro clínico, como é o caso da epilepsia do lobo temporal, esquizofrenia, mania e transtorno obsessivo-compulsivo. Sistemas cerebrais da serotonina também parecem estar implicados, já que drogas que têm influência sobre eles são facilitadoras da experiência religiosa. Entre essas drogas podemos citar o LSD, mescalina, ecstasy, e o chá de Ayahuasca utilizado pelo Santo Daime e União do Vegetal.

Quando pensamos na influência da fé na evolução de problemas de saúde, vale a pena refletir sobre o poder do efeito placebo. A origem do termo é o verbo placere do latim que significa AGRADAREI.  A simples expectativa positiva de que um tratamento pode nos fazer bem já é capaz de provocar mudanças fisiológicas em nosso corpo, e esse é o chamado efeito placebo. Pessoas que apresentam boa resposta ao placebo apresentam circuitos cerebrais de dopamina com maiores concentrações desse neurotransmissor. Também há evidências de que as concentrações dos opioides endógenos e de serotonina são influenciadas pela expectativa positiva. Isso tudo pode ter repercussões sobre o sistema imunológico e favorecer a evolução de uma condição de saúde. Se uma pílula de farinha já é capaz de provocar esses efeitos, podemos tentar imaginar o que a prece ou um ritual religioso pode promover. Esse é um modelo que a ciência tem para explicar os efeitos da fé sobre a mente e o corpo. Isso não quer dizer que outros mecanismos ainda intangíveis não possam ser descritos no futuro.

A religiosidade faz bem mesmo à saúde? Já temos um razoável corpo de evidências que indivíduos com uma maior vivência religiosa / espiritual têm uma maior capacidade de lidar com o estresse emocional, uma melhor saúde mental de forma geral e, em situações de doença, cooperam mais com o tratamento. Além disso, o envolvimento com uma comunidade religiosa está associado a uma maior rede social, e há tempos sabemos que pessoas socialmente integradas têm menos chance de adoecer, e quando doentes, a rede social é uma das principais fontes de apoio. Esse pode ser um dos principais fatores que explicam resultados de maior longevidade entre as pessoas com maior religiosidade. Assume-se também que essas pessoas têm a tendência a apresentar hábitos de vida mais saudáveis.

Entretanto, as crenças religiosas nem sempre estão a favor da saúde do paciente, já que podem em alguns casos dificultar a aderência ao tratamento com idéias do tipo: esse é o desejo de Deus; Deus me abandonou; esse é o meu destino; esse é o meu castigo; etc. Em situações como essas, é bem razoável que a equipe de saúde esteja minimamente preparada para abordar dimensões religiosas / espirituais do paciente e assim aumentar a aderência e sucesso do tratamento.

A abordagem da religiosidade de um paciente não precisa ser um bicho de sete cabeças. Algumas doenças podem ter um efeito devastador na vida de um paciente e suas famílias, especialmente no caso do câncer e de doenças degenerativas e progressivas como a Doença de Alzheimer. Perguntas comuns nessas situações como Por que comigo? Por que com meu filho? Por que isso tudo? dão-nos uma pista de que, além dos cuidados físicos, cognitivos e emocionais, uma janela preciosa na relação  entre a equipe de saúde  e o paciente e seus familiares pode estar se abrindo: a dimensão espiritual.

Estudos revelam que mais de 90% dos médicos acreditam que a religiosidade dos pacientes deve ser considerada. Entretanto, apenas 30% dos médicos acreditam que isso deve ser efetivamente abordado, e só 10% adotam essa prática, mesmo entre pacientes terminais. Por outro lado, sabemos também que são bastante ruins os indicadores que medem a satisfação de pacientes quanto ao cuidado dispensado pela equipe de saúde aos seus aspectos emocionais e espirituais.

As pessoas com maior religiosidade são mais felizes? Já é bem reconhecido que a percepção do quanto nos sentimos felizes é influenciada pelo quanto exercitamos algumas dimensões de nossa experiência humana como a gratidão, gentileza, altruísmo e otimismo. Difícil discordar que a prática religiosa seja uma inestimável ferramenta para exercitar essas virtudes. Além disso, a dedicação a algo maior do que si próprio, a sensação de significado na vida e de fazer parte do todo, são condições que estão associadas à auto percepção de felicidade e, mais uma vez, a religiosidade é uma das principais formas para se vivenciar essas experiências.

Insônia é coisa séria


Insônia é um problema muito frequente e chega a acometer até 10% da população. A insônia está associada a um maior risco de diversas condições clínicas como hipertensão arterial, diabetes, infarto do coração, insuficiência cardíaca, depressão, ansiedade, abuso de álcool e outras drogas, e também a uma maior mortalidade. Além disso, as repercussões econômicas da insônia não são nada desprezíveis, já que limita a produtividade no trabalho e resulta em maiores níveis de absenteísmo.

Você dorme bem? Difícil discordar que essa é uma pergunta que não pode faltar em uma consulta médica.

Dez dicas para uma boa noite de sono:

1- Fixar um horário certo de ir para a cama e de acordar;

2- Ir para a cama só quando estiver com sono;

3- Evitar dormir durante o dia;

4- Evitar atividades na cama que não sejam a de dormir e ter relações sexuais;

5- Evitar passar tempo excessivo na cama tentando dormir. Quando não se consegue dormir, é preferível levantar e sair do quarto até que volte a sentir sono;

6- Evitar o consumo de bebidas alcoólicas por no mínimo 6 horas antes de dormir. O álcool pode alterar a arquitetura do sono e aumentar o número de apneias nos portadores de apneia obstrutiva do sono;

7- Evitar refeições pesadas antes de dormir e evitar o uso de bebidas estimulantes como café, chá preto, verde ou mate e energéticos por no mínimo 6 horas antes de dormir;

8- Praticar exercícios físicos regularmente, evitando fazê-los próximos ao horário de dormir;

9- Procurar relaxar física e mentalmente pelo menos 2 horas antes de dormir. Um bom hábito é ter uma agenda para escrever os compromissos e prioridades do dia seguinte para que se possa ir para a cama sem se preocupar com aquilo que não se deve esquecer no dia seguinte;

10- Melhorar o ambiente do sono. O quarto em que se dorme deve ser confortável, silencioso, escuro e com temperatura adequada. Para as pessoas que tem alergia, carpetes ou outros materiais que acumulem poeira devem ser evitados.

Afinal, devemos dormir quantas horas por dia?


O sono é tão importante como é a comida e o ar que respiramos. E o sono não é privilégio da espécie humana ou dos mamíferos. Comportamentos semelhantes ao sono podem ser observados em invertebrados, anfíbios, e algumas espécies de peixes e aves. A quota de sono diário é muito variada entre as diferentes espécies, chegando a 20 horas por dia entre os morcegos, até o curioso comportamento dos golfinhos que nunca dormem completamente: um lado do cérebro “dorme” do ponto de vista eletrofisiológico, e até fecham um dos olhos, enquanto o outro lado permanece em vigília permitindo que continuem nadando e navegando.

Das diversas funções atribuídas ao sono, as mais estudadas e legitimadas são a recuperação e conservação de energia, consolidação do que aprendemos durante o dia e processamento afetivo. Mas por que não foram desenvolvidos outros mecanismos cerebrais para fazer o papel do sono sem a necessidade de se perder o controle do ambiente que nos cerca? Do ponto de vista evolutivo, o sono pode até ser considerado um comportamento de risco, já que reduz a capacidade de regulação térmica do organismo e diminui também a capacidade de escapar de um predador. Entretanto, a natureza foi sábia e o sono evoluiu para uma sequência de diferentes estados de profundidade, os estágios do sono, o que permite que ele cumpra seu importante papel fisiológico sem impedir nossa capacidade de detectar situações de risco ao nosso redor. Quando dormimos, não estamos em coma. Passamos apenas uns 20% do tempo de sono nos seus estágios mais profundos.

A imagem de nossos ancestrais dormindo em grupo, protegidos numa caverna e sob o calor do fogo, é uma forma de lembrarmos que para dormirmos bem precisamos perceber segurança. No mundo moderno, o que nos deixa inseguros não são animais selvagens, e é aí que o estresse entra em cena como um dos principais fatores associados a um sono ineficiente. A sensação de insegurança social ou material pode ser comparada a um predador que ronda nosso sono. Até o noticiário nas TVs não deixa de ser uma forma de ameaça.

Quando por tempo limitado, o estresse é um mecanismo fisiológico fundamental, pois ele nos permite estar mais aptos a enfrentar os desafios. É ele que nos ajuda a sentir menos a privação de sono quando precisamos dormir menos, como por exemplo, quando temos que terminar um trabalho com data marcada. E nisso o cérebro é razoavelmente flexível. Ele nos permite “dever“ um pouco de sono por alguns dias sem grandes prejuízos, mas 5 a 6 dias de dívida já são capazes de induzir alterações metabólicas e endócrinas que podem contribuir para o desenvolvimento de doenças como o diabetes, hipertensão arterial e obesidade. Isso sem falar na redução do desempenho cognitivo e maior risco de acidentes.

É fato que precisamos dormir muito menos do que o período em que o céu fica escuro, pelo menos aqui nos trópicos em que a relação noite / dia é mais equilibrada. O número ideal de horas de sono é aquele que faz com que a pessoa no outro dia sinta que dormiu o suficiente. Existe um senso comum que 8 horas de sono é o mais recomendável. Será? Existe um percentual pequeno de pessoas, que se sente bem com menos de 7 horas, também chamados de dormidores curtos. Há também os dormidores longos, aqueles que precisam de mais de 8 horas de sono. Porém, a maioria da população, incluindo os brasileiros, dorme entre 7 e 8 horas por noite. Dorme-se um pouco menos na 4ª e 5ª décadas de vida e um pouco mais na velhice e infância, e ainda há evidências de que o ritmo do mundo moderno nos tem feito dormir menos. Moradores de São Paulo em 1987 dormiam uma média de 8 horas por noite, e em 1995, 7.7 horas. Sem a pressão do dia a dia das grandes cidades, talvez dormíssemos mais. Uma pesquisa conduzida na aldeia dos índios Terena no Mato Grosso do Sul mostrou que eles dormem em média 8.5 horas por noite, e um terço deles ainda fazem uma sesta após o almoço diariamente.

Vários estudos foram desenvolvidos nas últimas décadas tentando responder à pergunta de qual é o número ideal de horas de sono para nossa saúde. Alguns estudos populacionais inicialmente demonstraram que o hábito de dormir entre 7 e 8 horas por noite estava associado a uma menor mortalidade do que dormir menos de 7 horas ou dormir mais de 8 horas. O mais provocativo nos estudos iniciais foi que indivíduos que dormiam mais de 8 horas tinham menos longevidade do que aqueles que dormiam menos de 7 horas. E por que dormir mais poderia trazer prejuízo à saúde? A melhor hipótese para explicar esses resultados é a de que a relação causa-efeito não seja: dormir mais prejudica a saúde. Seria o contrário: indivíduos que dormem mais têm mais chance de ter problemas de saúde que os fazem ter esse comportamento

E os estudos mais recentes apontam cada vez mais que essa segunda hipótese seja a mais provável. Além disso, um grande estudo populacional americano publicado em 2007 (Estudo ATUS) foi ainda mais fundo ao mostrar que os indivíduos que dormiam menos de 7.5h dedicavam mais tempo ao lazer e atividades sociais e de relaxamento. Já aqueles que dormiam menos que 5.5h e mais que 8.5h passavam mais tempo em frente à TV.
Esse conjunto de evidências permite-nos dizer que dormir entre 7 e 8 horas por noite é um bom negócio para a maioria das pessoas. Vale lembrar que quantidade de sono deve vir acompanhada também de qualidade, e por isso devemos investir muito em nossa saúde psíquica e orgânica, pois nosso sono costuma mesmo reclamar quando não damos a devida atenção às nossas vidas.

Nosso cérebro não vê sentido em viver sem atividade física


Já é bem reconhecido que a prática de exercícios físicos está associada a um menor risco de doenças cardiovasculares (infarto do coração e derrame cerebral), de alguns tipos de câncer (ex: mama, coloretal), transtornos mentais (ex: depressão, ansiedade), e está associada também a uma maior longevidade. Se tivermos que escolher uma única atitude saudável na vida para alcançarmos a longevidade com qualidade de vida, a prática regular de exercícios aeróbicos talvez seja a mais significativa.

Para se ter ideia do tamanho do efeito da atividade física aeróbica sobre a longevidade vale a pena conhecer os resultados de um dos mais robustos e recentes estudos sobre o tema publicado em 2008. A pesquisa foi iniciada em 1984 quando mais de 500 membros de uma associação de corredores de rua com mais de 50 anos de idade passaram a ser acompanhados anualmente. O grupo de corredores foi comparado a um grupo controle de semelhante faixa etária. Ao final de 21 anos de acompanhamento os resultados foram os seguintes: 1) a atividade física entre os corredores foi cerca de três vezes mais intensa ao longo de todo o estudo; 2) houve declínio da capacidade funcional ao longo dos anos em ambos os grupos, mas de forma menos relevante entre os corredores; 3) após 19 anos de acompanhamento, 34% dos indivíduos do grupo controle havia morrido, comparado a apenas 15% dos corredores; 4) os corredores apresentaram menor mortalidade não só por doenças cardiovasculares, mas também por câncer.

Como se isso tudo já não fosse o bastante, a cada dia temos mais evidências de que o cérebro também lucra com o hábito da atividade física regular. E o benefício ao cérebro já começa em idades precoces. Pesquisas demonstram que é maior o desempenho intelectual de crianças e adolescentes que praticam atividade física regular. Ao contrário do que já se chegou a cogitar, o tempo gasto com atividade física na escola promove mais sucesso acadêmico do que se o jovem direcionasse esse tempo de atividade física para mais atividades na sala de aula.

Os efeitos da atividade física também têm sido muito bem estudados no processo de envelhecimento cerebral sugerindo um efeito neuroprotetor. Uma série de pesquisas tem revelado que a atividade física em idosos melhora o desempenho cognitivo e os efeitos positivos podem ser observados em diversas dimensões da cognição e de forma mais marcante sobre as funções executivas que incluem, por exemplo, a memória operacional (de curto prazo), a capacidade de planejamento, de tomada de decisão e de dar atenção a mais de uma coisa ao mesmo tempo. Já dispomos também de um bom corpo de evidências de que a atividade física em idosos reduz o risco de desenvolver a Doença de Alzheimer e a Demência Vascular, ou pelo menos adia seu aparecimento.Os efeitos positivos da atividade física sobre o cérebro também já foram demonstrados através de variáveis fisiológicas que vão desde o aumento da perfusão sanguínea, metabolismo e tamanho do cérebro em determinadas regiões, até a modulação de sua própria atividade elétrica. Em animais as pesquisas chegam ao nível celular e molecular. Ratinhos que se exercitam criam novos neurônios e conexões em uma das regiões mais importantes do cérebro no que se refere à memória: o hipocampo. Novos vasos sanguíneos também são criados no hipocampo assim como em outras regiões cerebrais. O exercício estimula também a produção do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro, e isso já foi demonstrado também em humanos, que é responsável pela saúde dos neurônios e está associado à capacidade de aprendizado e memória. Até mesmo ratinhos recém-nascidos de mães que se exercitaram durante a gravidez têm mais neurônios no hipocampo do que aqueles de mães sedentárias. Para quem não sabe, uma das primeiras regiões cerebrais afetadas pela Doença de Alzheimer é o hipocampo, doença que promove redução do número de neurônios dessa região. Teoricamente, um indivíduo que se exercita, mesmo que desenvolva a Doença de Alzheimer, deve demorar mais para começar a apresentar sintomas já que tem uma reserva cerebral maior.

O exercício físico ainda é capaz de promover ativação de secreção de diversas substâncias no cérebro como endorfina e endocanabinoides, que podem provocar além do efeito imediato de euforia e redução da percepção de dor, também uma modulação do funcionamento químico do cérebro de forma mais sustentada. Essa é uma das formas de explicar resultados de pesquisas que mostram que a atividade física tem o poder de reduzir a chance de uma pessoa vir a desenvolver depressão. O interessante desses estudos é que esse poder é bem mais robusto no caso da atividade física associada ao lazer do que associada ao trabalho. Sabemos que o lazer, independente de estarmos nos mexendo, por si só já é capaz de recompensar quimicamente o cérebro levando ao bem-estar psíquico, e um dos componentes que ajudam a ativar esse bem-estar é a interação social que boa parte das atividades de esporte e lazer promove.

Desde a Grécia antiga defende-se a ideia de interdependência entre a mente e o corpo. Disse o romano Marcus Tullius Cícero por volta de 65 AC: “É o exercício físico que sustenta o espírito e mantém o vigor da mente”. Hoje não se faz mais o mesmo tanto de atividade física como antigamente e a redução foi mais drástica a partir da revolução industrial quando trabalho deixou de significar esforço físico. O fato é que nem nosso corpo nem nossa mente estão geneticamente adaptados para viver sem atividade física e essa é uma das principais explicações para o aumento da incidência de doenças crônicas como a obesidade e o diabetes, e que passam a acometer as pessoas em idades cada vez mais precoces.

Entre tantas questões que a ciência moderna ainda deve responder temos a seguinte: para o cérebro, qual o melhor tipo, intensidade, frequência e duração de exercício? Ao pensar em nossa saúde como um todo, podemos nos guiar pela atual recomendação de pelo menos 30 minutos de atividade moderada cinco vezes por semana. O que é atividade moderada? Atividade que dá até para fazer conversando, mas que aumenta a frequência cardíaca e faz suar a camisa!

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