Conteúdos digitais podem deixar o cérebro das crianças menos eficientes
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
Imagine um estudo que compara o efeito que diferentes conteúdos na tela podem ter sobre o cérebro de crianças. Dividiram as crianças de quatro anos de idade em três grupos. O primeiro assistiu a um vÃdeo de nove minutos do popular Bob Esponja, cartoon com ritmo acelerado em que a mudança completa da cena acontecia em média a cada onze segundos (exemplo: cena na piscina passando para cena no quarto). O segundo grupo assistiu ao cartoon Caillou, com a mesma duração, mas que tem um ritmo mais lento, com mudanças de cena em média a cada 34 segundos. Um terceiro grupo passou os mesmos nove minutos numa atividade de desenho livre com giz de cera e canetinhas.
Imediatamente após o término das atividades, as crianças foram submetidas a uma testagem de habilidades cognitivas que envolviam funções executivas como a atenção, controle da impulsividade e capacidade de resolução de problemas. Os resultados apontaram que as crianças que assistiram ao Bob Esponja tiveram um pior desempenho nos testes do que os demais grupos. Aquelas que assistiram ao vÃdeo mais pausado tiveram uma performance semelhante à quelas que ficaram desenhando.
Uma hipótese para explicar essa maior dificuldade executiva após uma experiência de rápida sucessão de eventos é que o cérebro disponibiliza muitos recursos para sua decodificação e fica relativamente desfalcado por um perÃodo. O estudo deixa várias perguntas no ar. Esses efeitos persistem por quanto tempo? Será que são mesmo transitórios? Será que crianças mais velhas são influenciadas da mesma maneira por esses cartoons acelerados? O estúdio de animação Nickelodeon que transmite o Bob Esponja defende que o cartoon é destinado a crianças de 6 a 11 anos.
Na mesma época, o Departamento de Saúde Britânico divulgou um ranking dos 20 cartoons mais populares de acordo com o nÃvel de atividade fÃsica dos personagens. Essa pesquisa fez parte de um programa de incentivo à atividade fÃsica na infância do governo inglês.
Garfield ficou em penúltimo lugar e Charlie & Lola em último. Bob Esponja ficou em nono lugar. O campeão de atividades foi o Scooby Doo. Só não dá pra dizer que Scooby é o cartoon-saúde, porque apesar de correr e fugir o tempo todo, o cachorro come montanhas de comida e daquelas que não têm nada de saudável. Aliás, vamos deixar o Scooby em paz…
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de BrasÃlia.
Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
Crédito foto: PEXELS