Crise da meia idade: como se manifesta e qual é o real tamanho dela?
Por Dr. Ricardo Afonso Teixeira*
A meia-idade é um período de relativa estabilidade, especialmente nos relacionamentos pessoais, mas algumas pessoas passam por uma grande insegurança emocional nessa fase da vida. A crise da meia idade existe e afeta no máximo um quarto dos quarentões e cinquentões. Ao tomarem consciência de que existem menos anos de vida pela frente, algumas pessoas passam a ter planos menos ousados. Outras passam a ter o comportamento inverso: começam a realizar tudo aquilo que gostariam de ter feito e não fizeram.
As estatísticas vão de 10% a 25%. A maioria daqueles que referem ter passado por uma crise nessa idade reconhece que eventos como a perda do emprego ou de um parente foram muito mais importantes que a idade por si só. Nem todo mundo entra em depressão ou começa a abusar do álcool ou outras substâncias psicoativas.
Estudos populacionais mostram que, ao longo da vida, as pessoas sentem-se menos felizes nesta época da vida. Há um comportamento chamado de curva em formato de “U”. A base do “U” é o menor estado de felicidade na meia idade e as pontas do “U” representam a velhice e a infância/adolescência. Por outro lado, quando se pergunta a idosos qual a idade que eles mais gostariam de viver novamente, eles respondem que é os quarenta e poucos anos. Fatores biológicos podem ter sua importância, mas os eventos que acontecem no decorrer da vida podem ser mais importantes.
Muitos percebem falhas cognitivas que não apresentavam antes, e uma desconfiança de que seja o início de uma doença neurodegenerativa. A doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência, não costuma acometer as pessoas antes dos 60 anos de idade. Existe o envelhecimento normal do cérebro, assim como o de qualquer órgão do corpo, mas algumas pessoas caem numa espiral psíquica negativa por não tolerarem pequenas mudanças. Na dúvida, converse com um médico.
As mulheres ainda passam pela transição para a menopausa, período em que as queixas cognitivas se acentuam, mas, felizmente, somente durante a transição. E as dificuldades no homem não devem ter como vilão um baixo nível de testosterona. A esmagadora maioria dos homens não apresenta hipogonadismo e, por isso, o termo andropausa é tão criticado pelos endocrinologistas.
O cérebro já é menor aos 40 anos quando comparado à adolescência, mas a experiência e a sabedoria da maturidade contornam facilmente essas questões morfológicas. No ano de 2017, uma pesquisa publicada pelo periódico PLOS ONE, envolvendo mais de três mil voluntários com idades entre 16 e 44 anos, mostrou que, aos 24 anos, alcançamos nosso pico de desempenho cognitivo-motor.
Apontou ainda que a maturidade traz algumas compensações. O desempenho dos voluntários, após milhares de horas num jogo de computador com a mesma lógica do xadrez, foi medido pela rapidez com que reagiram aos seus oponentes e pelas estratégias que usaram no desafio. Jogadores mais velhos, apesar de mais lentos, compensaram a desvantagem de velocidade com estratégias mais eficientes no jogo. Neste mesmo ano, Roger Federer, aos 35 anos, ganhou seu oitavo título de Wimbledon e foi o atleta mais velho a faturá-lo.
Quando se pensa em criatividade, a maturidade traz também suas compensações. Uma análise feita das carreiras de 31 ganhadores do Nobel de economia nos mostra que existem épocas na vida em que somos mais criativos. Nessa avaliação, foram encontradas duas ondas diferentes de criatividade, uma por volta dos vinte e poucos anos e outra entre os cinquenta e sessenta anos.
A primeira onda foi chamada de inovação de conceitos. É o pensar “fora da caixinha”, em que novas ideias põem em xeque o saber convencional. A segunda onda, chamada de inovação experimental, é a produção de conhecimento a partir do saber acumulado e nos traz formas inéditas de análise, interpretação e síntese. Os resultados são concordantes com estudos prévios que analisaram ondas de criatividade nas artes e em outras áreas da ciência. Pablo Picasso e Albert Einstein tiveram suas maiores criações na primeira onda, enquanto Paul Cézanne, Virginia Woolf e Charles Darwin brilharam mais na segunda onda. A Teoria da Relatividade foi publicada por Einstein aos 26 anos de idade e Darwin publicou a Teoria da Evolução aos 51 anos.
Um outro estudo, publicado pela Nature Human Behavior, mostra que, com o envelhecimento, temos realmente um declínio no desempenho da atenção e das funções executivas, fato bem demonstrado por inúmeros estudos. Entretanto, os pesquisadores apontaram também que algumas funções executivas e de atenção não apresentaram piora. Voluntários, até mesmo entre os 70 e 80 anos de idade, revelaram melhor desempenho que os mais jovens.
Nesse último estudo, o estado de alerta realmente foi menor entre os mais velhos. É a capacidade de estar pronto para frear o carro numa intersecção. Já nos testes de orientação espacial, definida como a capacidade de mudar o foco de atenção para um outro ponto do espaço, os velhos se saíram melhor. É a capacidade de perceber, por exemplo, um pedestre aguardando para atravessar na faixa. Já na capacidade executiva de inibir estímulos que levam à distração do foco naquilo que realmente interessa, os velhos também foram melhores. É a capacidade de não ficar prestando atenção nos passarinhos e reduzir o foco na direção.
Mas como explicar o melhor desempenho em um cérebro mais velho que já passou por inúmeras alterações estruturais e fisiológicas? A experiência ao longo dos anos é capaz de explicar esse fenômeno? Há um robusto corpo de evidências de mecanismos adaptativos para reduzir o impacto das perdas que acumulamos ao longo dos anos. Isso vai desde compensações no metabolismo cerebral, como ter o mesmo resultado com menos energia. Maior a experiência, menor ativação neuronal, menor gasto energético e maior eficiência.
Essa adaptação envolve também a reorganização de redes neurais ao longo das décadas. A reorganização conta até com o recrutamento de áreas do cérebro não tão envolvidas entre os jovens para uma dada tarefa, incluindo a participação maior de ambos os hemisférios, como é o caso da memória episódica. E não há dúvida de que a atividade física e os estímulos cognitivos amplificam o impacto desses mecanismos adaptativos.
*Dr. Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.
Matéria originalmente no site do Correio Braziliense.
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