Entenda o que os cientistas querem dizer com cabelos brancos do cérebro
É bem ultrapassada a ideia de que usamos apenas uma porcentagem do cérebro. Cada pedaço do cérebro é relevante sim. Entretanto, podemos dizer que algumas regiões quando apresentam uma lesão são capazes de provocar sintomas mais perceptíveis que outras. Outras regiões até podem ser destruídas que o indivíduo nem se dá conta de que algo aconteceu. E essa não é uma situação incomum no cérebro que envelhece: isquemias cerebrais silenciosas podem ser encontradas em boa parte das pessoas acima dos 60 anos de idade.
Quando se fala em lesões que chegam a provocar um buraquinho no cérebro, estudos com ressonância magnética revelam que cerca de 20% dos idosos apresentam tais lesões sem nunca ter apresentado sintomas relacionados. Quando se fala em lesões que só fazem pequeninas cicatrizes no cérebro, essas estão presentes em até 90% dos idosos e é mais comum entre as mulheres. Essas cicatrizes aparecem na ressonância magnética como pontinhos brancos e são chamadas por alguns cientistas de cabelos brancos do cérebro. Quem é que ultrapassa cinco ou seis décadas de vida sem qualquer cabelo branco?
No conjunto, essas pequenas lesões fazem parte daquilo que se chama de doença de pequenos vasos cerebrais. Uma ou duas pequenas cicatrizes realmente não costumam provocar sintomas, mas o cérebro de um indivíduo que apresenta inúmeras dessas cicatrizes ou buraquinhos, esse sim, começa a funcionar de forma ineficiente. Algumas pessoas chegam a apresentar dificuldades graves do pensamento e da marcha e reconhece-se que essa condição divide com a Doença de Alzheimer o status de principal causa de déficit cognitivo entre os idosos.
Existem fatores genéticos que determinam o quanto dessas lesões terá um cérebro que envelhece. Entretanto, é bem sabido que os conhecidos fatores de risco para aterosclerose (ex: hipertensão arterial, diabetes, tabagismo) aumentam significativamente a chance de uma pessoa colecionar mais dessas lesões ao longo dos anos.
O que fazer para proteger nosso cérebro dessas lesões? São as mesmas coisas que boa parte das pessoas sabe que são eficazes para reduzir o risco de um infarto do coração ou derrame cerebral: 1) não fumar; 2) praticar atividade física; 3) reduzir o estresse; 4) para quem tem doença do coração, alterações do colesterol, diabetes ou hipertensão arterial, tratar essas condições com preciosismo; 5) bebidas alcoólicas só se for com moderação; 6) dieta saudável e controle do peso. E no quesito dieta saudável, os peixes estão com a bola toda.
Todo esse dever de casa tem menos impacto quando analisamos os “cabelos brancos” que se encontram frequentemente ao redor dos ventrículos – em metade das pessoas aos 40-50 anos e quase em todos após os 60 anos. Para essas lesões, o fator idade é ainda mais pronunciado e uma das explicações mais consistentes para sua ocorrência é a exposição crônica ao longo das décadas de flutuações na pressão do liquor com desgaste das células que o contém. Isso leva a uma maior chance de pequenos extravasamentos do líquido para o cérebro e consequentes lesões. Isso foi elegantemente demonstrado por recente artigo publicado pela Scientific Reports
*Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília
Confira o áudio da coluna Cuca Legal, uma parceria do ICB com a Rádio CBN Brasília: